Ai de você se não tiver, ainda, cara de velho, postura de velho e não se vestir como velho. Ai de você, se a vida lhe permitiu chegar à tal terceira idade arrastando uns restos de juventude graças a uns cremes, tinta de cabelo, saúde razoável e à crença no olhar de que os 60 são os novos 40.

Ai, se você quiser competir por um lugar reservado no metrô ou na fila preferencial dos bancos e supermercados com os aparentemente mais velhos, muitos dos quais mordidos pela mosca azul do tudo posso, inclusive ser irremediavelmente velho antes da velhice propriamente lhe ditar certos impedimentos..

Esses tipos que se sentem premiados por uma lei, que varia de país para país, porque já entraram em anos e querem brigar de verdade por seus direitos são insuportáveis produtos dos excessos que a sociedade politicamente correta produziu.  Esquecem que existe uma coisa chamada educação e que, em nosso país, há pessoas desprovidas deste valor por razões sabidas. Existem jovens e velhos, ricos e pobres mal educados.

Em qualquer sítio do planeta, o  jovem mal educado não cede seu lugar a uma grávida ou a uma pessoa fragilizada, tenha ela a idade que for, com ou sem lei baixada pelo Estado. Já o velho mal educado é aquele que não quer saber por que alguém, que não ele mesmo, está sentado no lugar ou postado numa fila que, teoricamente, lhe pertence até a hora da sua morte.

Os velhinhos de verdade nunca têm olhar pidão, nem a pretensão de mostrar o quanto  a vida os desgastou. A maioria deles adoraria reaver a época em que podiam viajar de pé e enfrentar filas tão somente para mostrar o quanto ainda são jovens, saudáveis e resistentes.

Não é difícil ver no metrô como os pretensos idosos e mal educados ficam esfregando sua velhice na cara de quem, na aparência, não preenche os requisitos  equivocadamente desenhados nos  avisos de prioridade.  Um NÂO ao boneco alquebrado e apoiado numa bengala que representa o velho em nossa cultura esteriotipada.

Outro dia vi um menino pançudo aboletado num assento preferencial do metrô do Rio. Imaginei que ele  estava ali por alguma necessidade.  A cabeça do menino estava bem abaixo da seta que indicava o assento prioritário. Uma mulher de cabelos grisalhos e  de carnes duras, à primeira vista, entrou no vagão gélido e imediatamente interpelou o garoto para que ele se levantasse. O guri explicou alguma coisa a ela, que concordou com um sorriso entre o conformado com a má sorte e uma distante solidariedade.

Ela é um exemplo do velho-velho, que ainda não envelheceu o suficiente para tornar-se sábio e desconfiar que aquela criança tinha algum motivo para passar pelo constrangimento de ocupar o lugar de um velho por um longo trajeto. Quando a estação destino do rechonchudo chegou, ela sentou-se enfim no lugar dele,  saboreando a sua camaleonice etária de cabelos metade louros, metade brancos.

Já vi também  barulhentas discussões de ditos velhos, certos de que o ocupante do lugar que lhe pertencia não tinha  a idade, ou alguma razão para estar ali. Numa dessas disputas, a pessoa chegou a mostrar a carteira de identidade para a ‘velha proprietária do banco’, que saltou, apostei, uma estação depois, mais por vergonha que por necessidade.

Também já vi adolescentes dando lugar a adultos saudáveis e fortes, e incrédulos com a inesperada gentileza, apenas por terem alguns cabelos brancos ou muito louros, como os albinos. Ou mesmo a moças, por puro cavalheirismo. Quem sabe viram nelas as tias, mães e  avós que lhes ensinaram solidariedade e que simpatia é quase amor, como disse o poeta Casimiro de Abreu.

Se você é um velhinho transviado que já teve de enfrentar injúrias por estar sentado em lugar que também lhe pertence, uma ideia é pendurar uma tabuleta no pescoço, estampando sua idade quando entrar em área de perigo. Assim evitará olhares maldizentes e pelejas quase físicas numa terra em que  poucos confiam na boa intenção e nas palavra de muitos.

Ilustração Ben Rubin (Pinterest)