Nesses tempos de cultura digital, de ditadura eletrônica e de discussões
acaloradas sobre o nada, quando para muitos a terra mais se assemelha a uma
panqueca, não resta uma outra opção: sejamos rebeldes,
E talvez não haja rebeldia maior do que ir até uma estante, escolher atentamente — quase que com água na boca — e tirar dali um livro. Em papel! Isso, sim, é ser rebelde. E radicalizar. Porque, diferentemente de tudo o que se lê em uma tela de computador ou em um smartphone — talvez como o novo leitor e a nova leitora estejam fazendo justamente agora –, ler um livro impresso fisicamente é uma experiência que mexe com a gente. Em todos os sentidos.
O crítico e estudioso inglês Holbrook Jackson (1874-1948), autor de várias
obras que tratam justamente da paixão que temos pelos livros e da saudável
ação de lê-los (e, preferencialmente, compreendê-los), escreveu um belo ensaio
sobre os cinco sentidos que são aguçados pelo livro. Esses mesmos: tato,
audição, visão, paladar e olfato. Como? É simples…
Abra o cartapácio chamado, justamente, “Anatomy of bibliomania” —
ou”Anatomia da bibliomania” –, o livro que resume tudo o que Jackson pensou
sobre o amor aos livros. Em meio às suas quase 700 páginas, você vai encontrar
o ensaio “The five ports of book-love”, com cada portal desses representando
um de nossos sentidos.
Ao segurar o livro, você vai sentir a textura da capa e de cada página. Como a
edição não é muito recente, um certo aroma de livro antigo (que eu adoro)
chegará até você. Se a quantidade de páginas que você estiver vendo te assustar, não se intimide, elas podem ser vencidas sem muita dificuldade. Basta gostar de livros — e ler em voz altas alguns trechos, ouvindo — e degustando — cada palavra e cada ideia que Jackson fez questão de escrever e deixar para aqueles que têm essa paixão incomum por livros, aquilo que o bibliófilo José Mindlin chamava de “loucura mansa”.
Pronto: cinco sentidos chamados às falas, de uma maneira que tela nenhuma de
LED pode proporcionar. Claro, você vai ler igualzinho teria lido no livro
impresso. Quer dizer, quase. As palavras estão ali, enfileiradas. Mas a sensação
é outra. Há uma assepsia na leitura em aparatos eletrônicos que me incomoda.
Não é nem reclamar do brilho da tela, do desconforto que a leitura em aparelhos
pequenos pode causar. Isso também. Mas é a falta, digamos, de vida naquela
leitura.
O texto está ali, com certeza. Mas falta alma. E talvez um corpo mais robusto do
que algumas polegadas de um tablet ou de um smartphone. Nada contra essas
engenhocas extremamente úteis, sem dúvida. Mas trata-se de uma questão
prática. E quem disse que estamos tratando aqui de praticidade? O assunto aqui
é prazer — coisa que anda em falta nesse mundo cada vez mais esquisito. Boa
leitura.