Nos dias em torno do Dia dos Namorados, a web foi assolada por listas de conselhos em prol de autoestimas alquebradas. Logo, logo, a enorme banda dos corações solitários da contemporaneidade se pôs ávida a dar likes e compartilhar as práticas. Como se diz por aí, está difícil para todo mundo. Mas,  convenhamos, encontrar um amor nunca foi fácil. Que nem emprego. Só que, às vezes, o mercado fica arredio. Muitos querendo vender, poucos querendo comprar.

Entre as recomendações, uma chamou a atenção: a de escrever uma carta de amor para si mesmo. Parece fácil. Mas são muitos os alambrados a pular para produzir essa materialidade, esse documento, prova, à primeira vista, de egocentrismo, egoísmo, vaidade, soberba, imodéstia, empáfia, pedantismo, amor-próprio, egolatria. Mas tentemos. Primeiro, teremos de admitir que somos amáveis, não no sentido de ser gentil. Mas no de que inspiramos amor. Será mesmo que somos? Será mesmo que sou?

A mais alta  cerca, envolta em tufos de arame farpado e tudo, talvez seja aquela da dúvida, a que protege o território em que habita o nosso excesso de autocrítica. Esta não permitirá que  dediquemos uns minutinhos  a  uns rabiscos, nem mesmo para um bilhete, eventualmente,  a ser deixado por nós para nós mesmos. Muito menos com corações flechados e borras de batom carmim impressos sobre a nossa própria assinatura.

Mas, por que não? Porque seu nariz tem bolota na ponta e só você enxerga o quão isso lhe torna um Cyrano de Bergerac; está acima do peso; ronca alto; amanhece de mau-humor e com a cara inchada; odeia sertanejo universitário; tem joanete; passou dos 40 anos; tem celulite? A lista de defeitos terá o tamanho que quisermos, se não quisermos fazer uma lista de qualidades do tamanho que merecemos.

Os outros também têm defeitos que, se amarmos, qualidades nos parecerão. Por que não os nossos? Porque não é fácil mesmo se amar. É mais cômodo deixar esse trabalho para o outro e depois ficar emitindo boletos de cobrança, com o subtexto de que se o outro não nos ama, não somos merecedores de amor. Será mesmo que os outros sabem e souberam nos amar?

A não ser para os verdadeiros ególatras, a tarefa de escrever autocartas de amor será custosa. Arrisco dizer que os que só pensam em si mesmo o tempo todo estarão deveras ocupados para pensar nas personagens que costumam interpretar. Assim, não terão coragem nem vigor para redigir uma carta de autoamor.

Para começar, importantíssimo. Escreva a data e o lugar em que você está, como convém a qualquer documento. Isso já servirá para nos situar, para lembrar quem somos hoje, no  tempo e no espaço. Servirá para que nos afastemos de  más  lembranças do passado e das pessoas que nos magoaram e que, por ventura contaminaram nossa autoestima. Porque não somos mais o que fomos, e pouco importa o que pensaram de nós ontem. E se o seu nariz de bolota realmente lhe incomoda, modifique-o, ou pense num novo senso estético que faz você ser quem você é. Não é, Maria Callas?

Depois, pensemos no quanto trabalhamos, no escritório, na rua e dentro da nossa cabeça, para sermos melhor. Merecemos nos presentear – não só com objetos e coisas – mas  exatamente com o amor que esperamos do outro, que desejamos encontrar e que talvez não encontremos, se antes não o declararmos a nós.

A receita é muito simples, digna de um para-choque de caminhão de estrada, como aquelas frases que nos são jogadas na cara, cada vez que um possante cruza conosco na contramão da vida. Mas, insisto, não é fácil encarar nossas lacunas.

Depois da data e local, para começar, elogie-se e diga por que está escrevendo uma carta de amor para você. Reconheça o quão interessante você é ou poderá vir a ser.  Use papel e lápis. Se quiser ser mais realista, peça a alguém que poste a carta nos Correios, endereçada a você. Quando o carteiro chegar, a certeza é de que a notícia é boa.

P.S. Se você achar a logística muito ridícula (lembre-se que o poeta Fernando Pessoa disse que “todas as cartas de amor são ridículas”), escreva um e-mail para você. Dê um enter. Abra.