O artista plástico Osvaldo Carvalho inaugura mais uma exposição individual, “Balada de uma Noite Sem Fim”, no próximo sábado, dia 08, às 18h, na Galeria do Poste, em Niterói. A mostra, que tem texto curatorial do historiador e filósofo Aldones Nino, poderá ser visitada até 08 de agosto.

Balada de uma Noite Sem Fim

Entre a banalidade cotidiana e a violência súbita

“Como aproximar uma sutileza dócil de uma intensidade feroz? Um singular encontro de opostos é oferecido quando nos deparamos com o trabalho de Osvaldo Carvalho – um dos finalistas da 7ª edição do Prêmio Marcantonio Vilaça. Em ​Fabulário (Museu de Arte Contemporânea de Niterói, Niterói, RJ, 2014), o artista mescla passatempos, texturas e fábulas dando corpo a pinturas que buscam tocar a inocência de sonhos infantis com perigos possíveis.

Como um bufão hostil, seu aparente bom humor camufla pequenas armadilhas para o observador. Em sua ​Série Dinamarquesa (2016), o artista apresenta um sarcasmo que tensiona gracejos com uma violência iminente, ainda interrogando: “​Is It Funny?” [“Isso é engraçado?”]. Em suas telas de grandes dimensões, ele insere pequenos fragmentos de cotidianos, em que problemas globais e conflitos políticos geram um movimento que recria uma narrativa que se assemelha a um storyboard midiático, como em ​Terra Prometida (Paço Imperial, Rio de Janeiro, RJ, 2018).

Em 14 de março de 2018, 7 tiros tiraram a vida da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes. De acordo com o Observatório dos Direitos Humanos (Human​ Rights Watch​), essa execução relacionou-se à “impunidade existente no Rio de Janeiro” e a um “sistema de segurança falido” do Estado. No dia 7 de abril de 2019, Evaldo dos Santos (Manduca) dirigia em direção a um chá de bebê com sua família. Uma atividade cotidiana e banal interrompida subitamente por cerca de 80 tiros.

Em 8 de junho de 2019, o poste, que outrora foi coberto por folhas de ouro por Maurício Bentes, é marcado por 7 tiros despertando a atenção dos passantes. Essa intervenção ​Balada de uma Noite Sem Fim, ao mesmo tempo que insinua um crime, invoca uma atenção meticulosa para o conjunto de trabalhos que marcam o início de uma série homônima​.

A Galeria do Poste Arte Contemporânea exibe pela primeira vez parte da maior série já desenvolvida pelo artista. ​Balada de uma Noite Sem Fim (2019) ​é um conjunto de 80 pinturas, em que Osvaldo Carvalho apresenta imagens banais, convocando todos a se aproximarem da imprevisibilidade e sutileza da violência que perpassa o cotidiano dos habitantes do Rio de Janeiro, cidade que em 2018 teve 225 vítimas de balas perdidas apenas em sua região metropolitana.

Mediante este contexto, associado a um repertório imagético monótono, o conjunto de trabalhos expõe pequenos estilhaços de seu cotidiano. Considero o ateliê como local onde acessamos detalhes de processos criativos, trabalhos em progresso, obras acabadas e detalhes da identidade do criador. No texto ​”A função do ateliê​” (1979), o artista francês Daniel Buren diz que “a partir de sua produção em ateliê, a obra encontra-se isolada do mundo real”. Mas, ao se deparar com essas pinturas expostas, a Galeria do Poste torna-se uma extensão não apenas do ateliê de Osvaldo Carvalho na Tijuca, como também da problemática da segurança pública do nosso País.

Os trabalhos ejetam projéteis, pequenos fragmentos de realidade que invadiram o ateliê do artista. Na série ​Balada de uma Noite Sem Fim​, os projéteis funcionam como recursos expressivos que buscam por meio de uma cena banal evidenciar o risco de viver e fabular em meio à crise, apresentando um potente gesto de desvelamento da fragilidade cotidiana.

Osvaldo Carvalho dispõe, entre os cerca de 3,5 cm que separam a pintura do vidro, uma concretude que instaura uma imensidão repleta de futuros interrompidos e vozes silenciadas. Osvaldo é um exímio coletor de imagens, que vai além de seu repertório imagético, somando outra materialidade ao exercício pictórico. Suas pinturas não são isoladas do mundo real, e sim emuladoras de um espaço que se dilui entre o micro e o macro. A balada aqui não é uma dança lenta e melodiosa, mas um silêncio eloquente.”

Aldones Nino

Historiador da Arte e Filósofo

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1 BUREN, Daniel (1979). ​A função do ateliê [Fonction de l’atelier]. In: LOOCK, Ulrich, (Ed.). anArquitectura de Andre a Zittel. Porto: Fundação de Serralves / Público, 2005, p. 49.

A Galeria do Poste fica na rua Eng. Roberto Velasco Cardoso 10, no Gragoatá.

Fotos: Osvaldo Carvalho