O texto a seguir é politicamente neutro. Não envolve nem aprovação e nem critica `a conduta dos judeus ou dos muçulmanos.
Até os quinze anos, achei que nunca ia querer viajar. O Rio era um paraíso, e eu, que me imaginava sedentária, que detestava fazer mala, dormir em quartos diferentes e sair da rotina, achava que ia passar a vida no Rio. A Europa tinha charme pra mim `a distância, por causa da tradição artística, mas para os Estados Unidos eu não estava nem aí. Que se divertissem os viajantes, enquanto eu ficaria na minha e com prazer. Naquela época, Antônio Carlos Jobim era o homem mais charmoso e natural que se podia imaginar e parecia conter a essência do carioca, aquele ideal que em teoria deveria ser encontrado em qualquer um, mas na prática era bem diferente. Jobim mesmo cantou o seu desencanto com o Rio numa canção.
Mas não pensei, pra resumir a estória, que me tornaria uma nômade. Desde que fui aprender inglês em Londres e prosseguir para estudar filosofia em Boston, não parei mais. No começo desse motto perpétuo, não esperava ir a Israel. Mas me casei com um americano que trabalha com uma empresa Israelita, e fui convidada a visitar o país mais de uma vez.
Israel foi onde aprendi a chorar. Não de tristeza ou de alegria, mas de alívio. Lembro quando nosso guia nos avisou ao anoitecer, quando estávamos na parte antiga de Jerusalém, que aquela hora poderia ser perigosa diante da possibilidade de bombas, e eu não senti nenhum medo. Pois a sensação de ter voltado ao princípio e fechado o círculo era uma experiencia de completude. Embora eu não seja israelita, encontrei em Israel a essência original que nem sabia estar procurando. Foi quando aprendi que nossas raízes estão muito mais dentro da gente do que nos lugares de nossa origem.
Tendo sido os judeus os primeiros a adorar um único deus, e sendo este deus um deus que valoriza ou repreende, recompensa ou castiga a maneira como interagem seus fiéis independentemente das ofertas que lhe fazem, ele é desinteressado, é um deus ético. Enquanto as outras divindades da antiguidade não estavam nem aí para a maneira como se comportavam seus fieis e só esperavam que estes lhes fizessem oferendas, Yahweh, começando com os dez mandamentos, representa a magnitude da consciência, quando a divisão entre o bem e o mal nessa consciência é elevada `a dimensão ética, imparcial, e portanto abstrata, amadurecendo a própria dialética da consciência em si- o fato de esta só perceber o não através do sim, o que “é” em relação ao que “não é-“ e de tudo que esta consciência percebe na vida. Por isso, considero a ética a descoberta da verdadeira raiz da consciência, que simplesmente falando concerne a luta do bem e do mal e a sede de uma justiça final que, não podendo ser provada, como nos mostra Kant, dá sentido a nossa vida e aponta para a realidade espiritual de valores que não podemos ver ou tocar, mas que devemos honrar. Com o cristianismo, a consciência passou a abranger o arquétipo do amor entre o Criador e a criatura, união de princípio e fim.
Jerusalém transmite a mistura paradoxal de tempo e intensidade, idade e renascer, uma beleza única que nos dá o direito de chorar.
Pensando nisso agora, parto da beleza para caracterizar algumas cidades que conheço:
Jerusalém: onde a beleza é o visível e o invisível ao mesmo tempo.
Rio de Janeiro: Onde a beleza é tão natural, suave e sinuosa que vem dançar pelos cantos da cidade e se torna parte integrante, indissociável e esperada dela.
Nova York: Constante vir a ser, onde a beleza é civilização
Tel Aviv: Onde o Mediterraneo torna a beleza sobrenatural
Paris: Onde a beleza se indentifica ao intelecto
Londres: Onde a beleza se mistura com a tradição
Boston: Onde a beleza pode ficar em segundo lugar
San Francisco: Onde a beleza se revela privilégio
Los Angeles: Onde a beleza está num palco
Miami: Onde a beleza é embelezamento
Chicago: Onde a beleza é precisão
Lima: Onde o feio pode ser belo
Roma: onde a beleza está nos feitos humanos
Florença: onde a beleza está no cenário artístico
Disneylândia: Onde a beleza é um brinquedo.
Boulder: Onde a beleza é contemplação e altura
Marceline: Onde a beleza está na árvore dos sonhos
Cabourg: onde a beleza é impressionista
Big Sur: Onde a beleza é tão extrema que parece apocalíptica
Santa Barbara: Onde a beleza da a sensação de redescoberta, dejà vu, e reencontro!