Semana passada fui visitar um amigo. Eu poderia definí-lo como criativo, talentoso, simpático, querido, afável, internacional, mas preciso acrescentar que ele é gay. Coisa que pra mim passa direto, mas acabou sendo o que gerou a vontade de escrever este post.

Vou chamar meu amigo de Marido 1. Era a primeira vez que ia à sua casa. Pensei numa visita rápida no horário de fim de tarde, uma happy hour. Já ia me despedindo quando Marido 2, profissional ultra reconhecido em sua área, de sucesso, estava chegando da academia. Naquele momento eu me senti ainda mais intrusa e quando ameacei levantar, meu amigo me disse, “não, você janta conosco. Marido 2  está preparando alguma coisa com uma wok, não sei o que ele está aprontando por lá”. Falamos de tudo, vi todos os trabalhos de Marido 1, artista plástico, da melhor forma que existe; ele explicando o porque do quadro, de onde veio a moldura, a idéia dela, como começou a trabalhar com holografias, etc.

Mais um pouco e chegaram duas das três filhas de marido 1. Amabilíssimas, simpáticas, educadas, calmas, quietas, mas muito interessantes, cada uma a seu jeito. Um delas estava com o filho, educado, uma criança tranquila, que ficou brincando perto da gente.

Sentamo-nos numa mesa redonda, delícia pra conversar porque todos se veem. Marido 2 chegou com um delicioso frango com abacaxi, que a cada momento se confirmava o sabor maravilhoso, principalmente ao encontrar o gengibre… Hum… A mesa bem posta, a louça bonita, os copos que faziam o vinho descer mais gostoso…

A noite transcorreu maravilhosamente bem entre arte, acolhida, as meninas, o garotinho, e eu não pude deixar de pensar, enquanto tudo isto acontecia ao mesmo tempo, no absurdo que é o preconceito. Não adianta negar, dizer que não, mas a coisa aqui ainda é muito forte e em São Paulo então, cidade onde esta família mora, a coisa chega à níveis de segregação.

Pensei também no “auê” que fizeram quando começou o movimento de adoção. Conheci uma brasileira em Nova York, há dois anos atrás, que me disse textualmente: “Ah, eu sou contra. Porque eu não sei que geração vai surgir a partir disso”. Provavelmente uma geração com mais carinho, afeto, saúde, escolaridade e mais chances de ser feliz. Aliás, esta foi a minha resposta pra ela, numa esquina fria de Manhattan. Nunca mais nos vimos, Graças a Deus.

Os gays eram peça importante até para a publicidade uma vez que se uniam e não tinham filhos, portanto significavam padrão de vida alta até para o mercado de luxo,

Agora veio a união, que chegou tarde, muito tarde. Mas não tarde demais. Uma questão que deveria ser cartorial, mas a política sempre subverte valores dando tintas mais fortes ao que é realmente simples. Quem não se lembra do caso de Jorge Guinle, filho do playboy Jorginho Guinle, que deixou herança para seu marido e sua mãe roubou tudo, gerando morosa pendenga judicial?

E aí eu volto pra mesa, sem sair do lugar, e vejo aqueles semblantes casuais, cada um de seu jeito, o menininho girando em volta da mesa, sem incomodar em nenhum momento, aquelas obras de arte maravilhosas nas paredes que nos abrigavam, Marido 2 super solícito e bom anfitrião, desde o vinho ao café com chocolate especial  para harmonizarmos com o café quentinho e gostoso que ele fez.

É claro que Marido 2 estava fazendo um carinho a Marido 1, deixando que ele me recebesse mostrando suas obras, me fazendo sentir em casa, e sendo tão agradável.

Meu pensamento voltava à mesa novamente e eu pensava: tanto barulho por nada. É tão simples, é só deixar ser feliz. Problemas, todos tem, homos ou héteros. Por que detonar tanto algo que pode ser puro e belo?

Por que ser contra a adoção quando existem tantas crianças abandonadas, sozinhas, cujo futuro pode vir a ser tão ruim quanto inimaginável? É bom que se explique que gays não querem adotar crianças para fazer sexo selvagem na frente delas na sala. Ao contrário, estão em busca de uma rotina familiar, do lar, dos valores.

Por formação e pelas experiências da minha vida, sempre presto mais atenção do que deveria, a tudo. É difícil uma noite como essa acontecer e “apenas” me deixar feliz. A percepção de tudo que narrei até aqui é sempre mais forte, o olhar mais profundo.

Aliado a isto, tive pais que não tinham preconceitos. Não fui educada ouvindo “aquele negro safado”, ou “aquele negro de alma branca”, nem tampouco “aquele judeu ordinário”. Essas palavras não andavam juntas no vocabuláio dos dois. Isso fez com que eu crescesse conhecendo e avaliando “as verdades da vida”. E foi muito bom pra mim.

Marido 1, Marido 2, Meninas, podem me convidar sempre que eu vou correndo !!!