Vovó nunca se recuperou de ter sido mãe; ter expelido, de dentro de si mesma, o que tinha sido o âmago de sua própria carne, durante longos períodos de nove meses. Seus filhos foram postos no mundo, mas enquanto ela viveu, tratou-os como se fossem todos seus. A angústia da separação física, quer dizer, de ter sido cortada de partes de si mesma, a torturou a vida toda, manifestando-se constantemente como um mórbido e terrível medo de perda; na  obsessão crônica com os riscos mais estatisticamente remotos, em torno do que os filhos faziam. Seu ser esquartejado projetava a sua própria dor no mundo que os havia roubado de si, e a velha senhora só podia ver ameaças em toda parte. Se o primogênito estava pra embarcar num cruzeiro, ela, aflita, o aconselhava não discutir com ninguém a bordo, para não vir a ser empurrado no mar. Se o mais moço não lhe telefonasse todo dia, o horror de que ele podia, sabe lá, ter se matado, se transformava, pra ela, em ideia fixa.  Se tudo corria de acordo com a rotina, ela ainda assim, tinha que exorcizar a compulsão repulsiva de pensamentos que lhe invadiam a mente com seu pior pesadelo, imaginando-se, para isso, tendo que resistir as mais detalhadas torturas físicas, para salvar os filhos de todo perigo.

Tal afinidade com a dor ia alem de mera fantasia. A feroz devoção daquela mãe, resultando do seu próprio sofrimento, lhe dava a coragem, como dor contra dor, de aguentar qualquer coisa, por aqueles que considerava seus. Quando papai, com dois anos de idade, pegou uma doença infecciosa e foi desacreditado pelos médicos, vovó fez a promessa de subir de joelhos todos os degraus da escada da Penha, para que ele fosse salvo. Cumprindo a promessa, ela quase teve que amputar uma das pernas, mas o filho se recuperou, a despeito de todos os prognósticos.

Embora papai fosse um rabo de saia, e, longe de esconder da familia, se gabava de um instinto sexual que nunca poderia ser domado pelo casamento, nenhum dos seus casos ameaçou tanto mamãe, como o amor que ele tinha por vovó. Além do inebriante período em que ela o amamentou, e alem das sangrentas promessas religiosas que cumpriu mais de uma vez para salvá-lo, aquela mãe apaixonada, a despeito de si mesma, deu a ele, quando este, adolescente, espionou os pais pelo buraco da fechadura do quarto deles, o prazer adicional de vê-la fazer sexo, com vovô. Que descoberta! Para aquele filho maravilhado, a mistura de adorar a mãe santa, e reconhecer a sua natureza sexual, era tamanho tour de force, que só podia ser valido para ela; somente alguém que, por amor não teme a dor, como sua mãe sobre humana, poderia estar acima da imperfeição de todas as outras mulheres, e juntar a santidade da maternidade toda poderosa, com a lascívia da carne. Fosse o que fosse, a cena microscópica que ele viu tornou-se o caso que excedia as teorias ecêntricas que ele formulava e que, tiradas do comportamento de animais,  convenientemente justificavam sua infidelidade, isto é: o prazer das fêmeas está na maternidade, e o dos machos, no sexo. Durante o tempo que uma vaca leva na gravidez e lactação, o touro que a fecundou cobre várias outras vacas, papai dizia, pra concluir, “ a mulher que gosta de sexo é como os homens, não tem instinto maternal, e não é boa mãe, a não ser a minha mãe, que pode ser a melhor mãe e também a melhor amante!”

Observando a vida auto-destrutiva que sua sogra levava, nas roupas surradas que usava, na confissão orgulhosa de nunca ter gasto dinheiro em cabelereiros, e na aparência infeliz que mantinha, `a maneira dos mártires medievais, que fustigavam o físico para negar a carne, mamãe não via nenhuma sensualidade em vovó, e achava que papai sofria um complexo de Édipo devastador. Mesmo assim, a velha senhora, de quem ela, aliás era amiga, tornou-se, também, sua rival.

A matriarca amamentara seus filhos durante anos, e, sendo eles proximos, em idade, lhe acontecera ter, frequentemente, um bebe num peito, e uma criancinha, no outro. Como se isso não fosse suficiente, ela também amamentou os filhotes de ninhadas dos inúmeros cachorros que sempre gostou de manter.

Quando eu era pequena, seus seios lhe batiam pela cintura, e eu achava que eles eram os maiores do mundo, fascinada com as medalhas de santos que repousavam entre eles, como se toda a hierarquia divina se escondesse no encontro daquelas pequenas imagens sagradas, com o peito querido.

Mas a santidade de vovó so foi oficializada por seu filho mais velho, um dandy, cujas visitas a ela me davam prazer assistir. Aquele tio foi o único cara que eu vi, que não tinha vergonha de ser carinhoso, com sua velha mãe. Falava-lhe como a um bebê, dando-lhe repetidos beijinhos no rosto, enquanto lhe inventava apelidos amorosos, que um pai poderia dar a uma pequena filha. Durante sua vida, ele desposara maior número de mulheres que Barba Azul, mas ouvi estórias que, quando doente, fosse quem fosse sua mulher no momento, ele fazia questão de apelar para vovó, dizendo que só sua mãe sabia como cuidar dele.

Finalmente, a liberdade do seu afeto lhe deu o direito de um papa, e ele batizou sua bem sucedida fazenda de criação de gado, com o venerável nome Santa Aminta. Quando um de seus amigos comentou não saber da existência de uma santa com tal nome, o tio informou, com uma convicção tão inocente quanto inabalável, “ É a minha mãe!”